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Celebrado mundialmente como Dia do Orgulho LGBTQI+, o dia 28 de junho remonta a reação em massa de membros desta comunidade contra uma série de abusos policiais cometidos a fim de intimidar frequentadores do bar Stonewall, em Nova Iorque. O episódio, registrado em 1969 precedeu a 1° Parada do Orgulho LGBT nos Estados Unidos, movimento que viria a se espalhar pelo mundo.
De lá pra cá, enquanto algumas pautas avançaram, outras demandas surgiram. No Brasil, em julho de 2019, a homofobia foi equiparada ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cujo entendimento deve ser aplicado em todo o Brasil. Além de imprescritível, o delito é inafiançável e as penalidades variam de acordo com a conduta praticada.
Frente às vitórias e aos desafios que ainda se apresentam a um grupo tão plural, o presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Mato Grosso (OAB-MT), Nelson Freitas, destaca o papel da advocacia na luta por igualdade de direitos e fala sobre o cenário jurídico para pessoas LGBTQI+ no Estado.
Por que é importante uma data para celebrar o orgulho LGBTQI+? Qual a diferença entre as propostas deste período e as do Mês de Combate a LGBTfobia, lembradas em maio?
As motivações que levaram aos eventos de Stonewall, há 40 anos, ainda não diferem tanto das demandas apresentadas pela comunidade LGBTQI+ hoje. A tentativa da sociedade de negar a existência dessas pessoas ainda é uma constante e, consequentemente, a luta delas por sobrevivência e por direitos continua.
Aquela revolução incitou a exigência pela visibilidade, pela ocupação de espaços na sociedade, pelo direito de existirmos e dizermos que somos cidadãos e que temos direitos e deveres como quaisquer outros. O Dia do Orgulho celebra então todo esse caminhar de batalhas, de histórias interrompidas e também de conquistas. Celebramos a vida e celebramos ser quem somos!
Já ao longo do Mês de Combate, reforçamos o debate sobre ações e cobramos políticas públicas do Estado, principalmente no sentido de combater a discriminação, a violência e as mortes em razão de orientação ou identidade de gênero.
Essa necessidade é latente se considerarmos que milhares de pessoas LGBTI+ hoje saem de casa sem saber se vão voltar vivas, que não podem, sequer, demonstrar afeto em público por medo de sofrer represálias que vão desde de xingamentos até agressões físicas.
Como a Comissão tem atuado em defesa desta população?
A Comissão tem desenvolvido um trabalho de diálogo e união. Dialogar foi, é e sempre será o caminho. Por meio desta atuação ocupamos espaços e levantamos o debate sobre os direitos da comunidade LGBTQI+. Além disso, cumprimos o papel de fiscalizar e garantir esses direitos, desenvolvendo e apoiando ações junto aos coletivos e contribuindo com a inclusão, a dignidade, a pluralidade e a igualdade no Estado Democrático de Direito.
Criamos no ano passado o canal de Defesa da Diversidade, por meio do qual é possível denunciar atos de discriminação, preconceito ou constrangimento ligado a orientação sexual ou de gênero praticados contra advogados e advogadas em seu exercício profissional.
Neste ano também demos início a uma campanha em parceria com a Federação Mato-grossense de Futebol (FMF) que visa conscientizar os torcedores, tanto no estádio, quanto longe dos gramados, que ações como essas são crimes.
Além disso, desde a mudança na legislação a Comissão tem realizado orientações direcionadas a estudantes universitários e profissionais de órgãos da Segurança Pública. O objetivo é capacitá-los sobre o atendimento as vítimas de crimes de LGBTfobia, especialmente depois que os delitos passaram a ser tipificados.
Sabemos que a recente tipificação do crime de homofobia partiu de iniciativa do Judiciário, por falta de propostas do legislativo para este setor. Como o senhor avalia isso? Quais desafios ainda devem ser superados?
Todas as conquistas LGBTQI+ ocorreram, desde 2010, por meio de tutela jurisdicional. Ou seja, precisou existir provocação ao Judiciário para que fossem garantidos a estas pessoas, direitos fundamentais já assegurados à outras parcelas da população.
Isso significa que o Estado não cria políticas públicas e não há legislação que garanta igualdade material diante da desigualdade existente. Diante deste cenário, um dos principais passos é entender a diferença de condições entre a comunidade LGBTQI+ e o restante da população, uma vez que a seus integrantes é imposto tratamento diferenciado.
A partir daí, surge a necessidade do poder estatal, para equilibrar essas condições tanto no mercado de trabalho, quanto no acesso à educação e saúde, por exemplo.
Conquistas como a criminalização, portanto, têm extrema relevância para todos os cidadãos, porque a partir do momento em que há possibilidade de violação de direitos de uma determinada parcela da sociedade, nós todos estamos fragilizados como sociedade. Não é uma vitória só dá comunidade LGBTI+, é uma vitória da Nação.
Neste contexto, quais são os principais avanços para LGBTs no Estado? Como o senhor compara o cenário hoje e há dez anos, por exemplo?
Aqui em Mato Grosso os avanços refletem as conquistas nacionais. Hoje temos uma lei estadual que garante o uso do nome social para pessoas transexuais, assim como uma lei municipal que prevê o uso do nome social delas na esfera da administração pública. São mudanças que representam muito e que decorreram de posicionamento jurisdicional.
Qual o papel da advocacia neste contexto?
A advocacia tem papel vital neste contexto de alterações. No caso da criminalização, partiu da advocacia a provocação ao Judiciário. Portanto, a função social desta atividade é fundamental por apresentar também esse caráter de fiscalizar e garantir os direitos para toda a população.
Mesmo com a tipificação do crime, o senhor acredita que a justiça alcance a todas as vítimas? Avalia que a própria comunidade está informada e atenta a estas mudanças?
Infelizmente muitas pessoas não buscam seus direitos por medo. Isso porque, ao chegarem a uma delegacia, se deparam com dificuldade em registrar boletim de ocorrência de forma correta, de narrar os fatos corretamente, de que o responsável faça a tipificação correta no documento. Além disso, muitos são desencorajados a registrar as violências sofridas.
Essa é a realidade em todo o país. Existe uma barreira para conseguir a aplicação da criminalização, assim como ocorre com todas as conquistas desta comunidade. Exemplo disso é que, em maio deste ano, uma ação do STF derrubou a proibição de doação de sangue por homens homossexuais. Contudo, só um mês depois é que o Ministério da Saúde se propôs a cumprir a decisão, depois de muita insistência dos coletivos e da própria OAB, que, por meio da sua Comissão Nacional de Diversidade Sexual e de Gênero, emitiu uma série de ofícios pedindo a imediata aplicação da decisão.
Os canais de denúncia para vítimas de LGBTfobia têm sido efetivos? O que mostram os números destes atendimentos?
Mesmo com a criminalização há uma subnotificação de casos muito grande. A pessoa LGBTQI+ não se sente acolhida pelo Estado pra buscar seus direitos. Ela não se sente acolhida ao chegar na delegacia para registrar violência que sofreu, pelo contrário, ela tem medo de chegar e sofrer outra discriminação.
Os números da violência contra LGBTQI+ no Brasil são alarmantes e cruéis. Somos, por exemplo, o país que mais mata essas pessoas no mundo. Se compararmos o primeiro quadrimestre de 2020 com o de 2019, tivemos aumento de cerca de 46 % de casos de violência contra esta população. Além disso, no ano passado, foram registradas mais de 300 mortes violentas motivadas por orientação sexual ou identidade de gênero.
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